quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Quando um filho se apaixona.





Ela se apaixonou pelo “Circo da Lua”,da escritora Eva Furnari, e por três noites seguidas repetiu a história.
Trouxe o livro da escola, por causa do projeto de leitura que eles fazem por lá, passou o fim de semana grudada nele, devolveu na segunda e antes de devolver já avisou:
- Eu quero um ” Circo da Lua” só pra mim.
Que mãe não realizaria um desejo desses?
Agora louca, atrás de um elefante estrelado, pra adoçar a magia que é ver um filho se apaixonar por um livro. ♥
(k)


Ouvir e escrever, mágico e inexplicável.


- Mãe, cadê minha agenda?
- Nanda, sai da frente! Olha mãe, olha o que eu faço com a bola e a lâmpada. ( porque já passamos daquela fase “pequenas mágicas”)
- Mãe, pede pra ele parar de cantar essa música! Eu nem sei de quem é? E como ele é desafinado! Puxa, se eu cantasse mal assim, nem saía de casa!
- É do Aerosmith, sua boba, e é claro que você não sabe quem são, você é uma bebezinha!
- Sou bebezinha nada, você pode saber falar, mas não sabe escrever, ahahahahahahah, aposto que não!
- Você nem lê direito! Eu to cantando a música, um musicão! Can-tan-do!
- jajaja pra você
- Olha mãe, cantando e fazendo embaixadinha, defendendo… Quase quebrando o vidro da porta, ihhhh… Aquele quebradinho ali não é de hoje, é de outro dia.
- Ahhh, eu não aguento mais essa bola, batendo, tum, tum, tum, essa música, esse chato.
- Eu que não posso mais com você menininha, vem cá, ouvir música boa, de verdade, coisa fina!!! OPA! “coisa fina” é meio coisa dos  anos 80 né mãe?
- É filho, é coisa de antes, eu acho?!?!
- Não achei que você estivesse tão velha! Mais de 100 anos?!?! (risos)
- Minha mãe não é velha, ela é novinha, não ta vendo?
- To brincando Nandinha (sem parar de bater a bola contra o sofá)
- Para com isso por favor ! Mãe, amanhã quero uma outra mochila! Uma é pesada e nem fica direto comigo, a outra, eu até gosto, mas ta velhinha… Nada a ver com o que a gente tava conversando sobre ser ou estar velhinha…
- Ser ou estar? Você lá sabe o que é isso? Depois fala de mim…
- É claro que eu sei o que é isso. Ser é ser e estar é estar! Sendo ou estando, aqui ta bom!
- Olha mãe, até parece que sabe das coisas!
- Mãe, posso usar o computador e ver o vídeo da  Let it Go. Você  fica ai batendo nas letrinhas e o Neco batendo a bola (começando a chorar), e eu to ficando nervosa, acho que perdi minha agenda. E agora? Onde a professora vai anotar os recados? Você nem vai saber o que acontece comigo na escola! ” Para de cantar essa música Neco!”
- Ta ouvindo mãe? Ou só ta escrevendo?
- Estou ouvindo, eu sempre ouço! E escrevendo, eu sempre escrevo!
Súbito silêncio.
Neco vai pro sofá, Nanda  também, olhos na tv, que, vejam só, também estava ligada…
Nanda vai tomar água, volta, olha pra mim, sorri, puxa os joelhos contra o corpo e olha novamente a tv.
Neco continua cantando, baixinho, repetidamente a música…
- Qual é a música Neco?

- Até que é legalzinha, concorda a Nanda, coçando os olhos, o pescoço, bocejando…
(k)

Postcards


Um dia (ASSIM)



Um dia assim, sei lá, de contar os passos na ardósia, ouvir a chuva, um pensar em sair, um ter que sair e não sair. Ficar.
Um abraçar a N doentinha, um cobertor no sofá em pleno verão, uns travesseiros, uma vontade de chá com leite de amêndoas. Um espirro.
Um desligar a Tv, e tocar o som da chuva, aumentando, diminuindo, chuva em sol, sinfonia.
Um dia assim, de folhas e frutos no chão, vento brincando com cortinas e fios de cabelo e horas passando devagar.
Um dia de pão assando no forno e vida aveludada. Da N perguntando pela fada do dente e querendo saber se ela também é coisa de acreditar feito papai noel e coelhinho da páscoa.
Um dia de coração aquecendo outro coração e sorrisos abrindo caminho pra mais sorrisos. Sempre desconfiei que sorrisos brandos são melhores que os exagerados, na brandura se cultiva a constância e não o momento.
Um dia assim, de olhar e entender que a chuva traz bênçãos e castigos, que a vida pode parar hoje, agora, por alguns momentos e depois continuar…
(k)

Natal/2013


A menina olhando a gente toda correndo, apressando-se, copos, talheres, fitas, enfeites. O menino olhando pra menina. Código secreto. Irmãos tem dessas coisas, e essas coisas, oras, tem  os irmãos. 
Mas isso é coisa antiga, olhar pros pés balançando, contar um-dois-três, olhar e ver os olhos do outro, olhar o céu e dar uma piscadela pra nuvem carregada de boas más intenções. O trovão cutucando o riso.
A menina rindo e olhando a gente toda correndo, apressando-se, copos, talheres, fitas, enfeites. O menino olhando pra menina. Olhar pros pés balançando, contar um-dois-três, olhar e ver os olhos do outro.
O trovão empurra a nuvem que cai na grama que vira lama. O corpo coberto, um-dois-três, agora são quatro, um boneco esquisito, os olhos abertos…
 (k)

Um dia, o Luar.


Acordar, tomar banho, escovar os dentes, acordar as crianças, fazer café,  servir frutas  pros passarinhos, tomar café. Que saudade da torradeira, panquecas então: discos de vinil na vitrola preguiçosa tocando a voz da mãe, da vó que mora longe, o latido do cachorro… 
Levar as crianças na escola, passar pela vila, os barcos voltando, o pescado fresco, um maço de coentro. Encontrar um gato. Que louca, mais um gato! Só mais um. 
Sem vontade de ir à cidade, voltar, de novo a vila, os barcos ancorados, as redes estendidas, as pessoas seguintes, parar e olhar o mar… o gato brincando na areia.
Chegar em casa, abrir a porta, as mãos ocupadas, o peixe, o gato, os coentros que espantam o gato na direção do cachorro. Rabo abanando, o olhar do cachorro: “o que você fez? mais um gato?”
O peixe sobre a pia, os coentros sob o nariz, depois no copo d’água. 
Dar comida pro cachorro, pros gatos, agora são dois, apresentar a bicharada, esperar as crianças voltarem pra escolher um nome.
Música tocando, abrir as janelas, mais um café, sobrou uma panqueca, bater, teclado, som de esquecimento, teclar…  Ah! claro, ler os e-mails, ler os jornais, ler as revistas, ouvir Clarisse! 
- Clarisse, o Pedro tem uma boa voz, mas aos homens não foi dado o dom de esmiuçar os pensamentos femininos, sempre os vejo dobrar pensamentos e guardá-los em gavetas. Prefiro ler, mas esse eu já li.
Teclar, um minuto, mais minutos, pedir orçamento, receber orçamento, concordar com o preço? Eu cobraria mais, pra que discutir?
Atender o telefone, ter que sair. Voltar.
Teclar, olhar pela janela, não vai chover, molhar a horta, molhar o jardim. Mudas de chicória, bulbos… Plantei a chicória, esqueci dos bulbos. Os vizinhos, Sebastião, nhá Cenira, a conversa, o sol bendito, a descoberta: a onze horas resistiu ao inverno, e cresce embaixo da árvore da felicidade. A felicidade não cai como chuva sobre nossas cabeças? Não, essa não, cresce da terra e faz sombra no caminho.
Olhar o céu, depois da conversa, o pensamento aparado por outra vizinha com salsão na mão. O que aconteceu? Ela sempre traz almeirão. 
Passear com o vento, tive que entrar. Teclar, esperar… Noticias, certificados, a carta.
Que carta linda, gravura linda, ganhei o dia!
Almoço, crianças chegando, almoçar… 
 O gato
 -  Mais um gato?
-  Eu adorei! 
-  e
Eu não! 
-  Como ele vai chamar?
-  Deixa eu contar uma história: Era ainda bem cedinho, ele tava na rua e um resto de lua no céu, Olhei pra ele, olhei pro céu, pensei em chamá~lo de luar, porque céu é um nome pequeno, mas grande demais”
- Mas Luar não é nome de menina? 
- E daí? A lua é um satélite! 
- Não entendi?!?! Esquece, sempre que misturam homem e mulher não dá pra entender nada mesmo!
 – Então, está decidido: O nome dele é Luar!!!
 Vontade de sobremesa, estender a mão, falar, falar, falar, não estou vendendo o carro, mas todo mundo quer comprar.  Prima? Que prima? Não tenho primas!
 - Todo mundo tem prima.
- Eu não, filho
- E agora, mãe? Eu também não!
 Ver quem é. Não sei quem é.
 - Não se lembra de mim?
- Não
Conversa vai, conversa vem, nem tudo se entende e nem todo mundo se conhece bem.
 Ele vai andar de bicicleta, ela brinca de boneca. Ela exercita o balé, ele antes da cabeça dela tinha a bola no pé.
 - Mãe, eu trouxe goiaba
- Mãe, o que eu faço agora?
- Mãe, minha amiga foi embora
- Mãe, fome de novo, o café? Não é hora?
- Mãe, ainda tem queijo?
- Mãe, sabe o que aconteceu na escola?
 - Nunca vi dois gatos se darem bem, com cachorro então… 

Mesas e janelas, combinação perfeita, enquanto comemos olhamos através delas.  
 O trabalho, paciência, eles e a algazarra, uma árvore, um livro, passos até a torre. 
Voltando, o frio, o suspiro, galhos secos, hibiscos para o chá. 
Agora é fácil, tudo acalmou…

- Mãe, o caderno acabou.
Saímos, cadernos, lápis, tinta, pincéis, tecidos, crepom, cartões, pulseira, um filme.
Metade do caminho, a casa do pai, a casa da mãe, tudo tão diferente e no mesmo lugar.
Voltar, os olhos, a atenção, o que eles falam.
A ideia, eles e ela. Teclar. Eles e ela, a ideia aqui, eles aqui, um minuto, mais minutos, indo e vindo.
A noite chegou, pescado assado, vovô, vovó!!
 - Ihh, a vovó odeia gatos.
- O vovô adora! (risos)
Coentros, galhos antes secos, agora coloridos, num vaso de cristal

- Eu arrumei a mesa vó!!!
 O olhar do vô, o olhar da vó: mais um jeito de olhar. A ideia persiste, está entre nós. fim do jantar.

- Boa noite mãe
 O banho, o tempo, o crescimento, o secreto…

- Já tomamos banho mãe, enquanto você preparava o jantar.
 Beijos assim, beijos também, beijos além…

Fugindo do dia, querendo dormir. Logo amanhecer!
- Boa noite pequeno, boa noite pequena, imenso é o amanhã... dormir e acordar... A ideia continua alí, admirando o Luar!
(k)